sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Cristaleira


Existia uma redoma que ela não via, acerca do castelo que muito queria.
Sem saber que não podia entrar, entrou.
Sem saber que não podia falar, falou.
Sem saber que era deselegante fazer, o fez.
Inocentemente, tão contente quanto inapropriada.
Todos os mais espalhafatosos tons de amarelo que ela tinha por dentro, lhe escapavam, quando abria a boca.
Certa noite, numa conversa entre os guardas, sobre o incômodo que ela causara, a menina ouviu:
"- Quem a convidou para entrar?" perguntava um.
"- Quem a retirará daqui?", perguntava outro.
Quebrada em trinta mil caquinhos, saiu a menina por de trás da cristaleira, dizendo:
"- Desculpem, senhores. Perdoem-me por todos os limites que passei. Foi sem saber que a porta era fechada, que entrei... Que gafe a minha, ter avançado tanto."
Limpou, então, do castelo suas risadas, abraços e conversas fiadas, ajeitou as cortinas e o pano de mesa.
Recolheu sua gaita, suas fitas e seu repertório de piadas, pôs de volta no lugar a distância que havia afastado, e catou do chão o último fragmento de amarelo que havia deixado sobre o cinza, mantendo impecavelmente fria a elegância da sala... Fechou com suavidade a porta, e partiu.
Evergonhada por não ter desconfiado da sua falta de senso.
Ela não sabia que não conhecia fronteiras.

Lana N.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sapatos apertados

Daí você começa a sentir dores nos pés, e acha que o problema está nos pés, até descobrir que os pés apenas cresceram... E não há problema em crescer.
Crescer é ótimo.
O ideal é mesmo crescer... O problema está nos sapatos, que já são pequenos.
As vezes sofremos pra tentar caber num sapato pequeno, achamos que estamos grandes demais, que se cortarmos aqui ou ali, ou quem sabe, se usarmos uma boa meia fina...
Nos esforçamos para manter os mesmos velhos sapatos de antes, que tanto gostamos, mas agora, eles já nos machucam...
Sabe, Deus quer que entendamos que nós não temos problema algum!
Nossa dor acaba quando aceitamos a simples explicação de Deus para a nossa dor:
O sapato está pequeno.
Ele tem um sapato novo que não vai exigir de nós tanto esforço, incômodo e cansaço.
Nosso tamanho não está errado, apenas crescemos, e não cabemos mais onde cabíamos antes.
Algumas grandes dores cessarão, assim que mudarmos os sapatos.
Crescer não dói.
O que dói é crescer e querer caber no mesmo lugar.
Trocar de sapatos é tão mais simples que trocar de pés!
Não queira ser alguém diferente pra caber em algum lugar.
Queira algum lugar diferente que caiba em você.

Lana N.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Você e suas pintas


Existem pessoas muito bonitas.
Existem pessoas muito mais bonitas que você.
Mais "gostosas" que você.
Por dia você vai cruzar com muitas delas.
E seu namorado(a) também.
Milhões de pessoas interessantes vão passar pela gente o dia todo...
Mas nada...
Nenhuma delas...
Vai fazer você gelar como você gela com aquela, que você gosta.
As vezes a gente nem entende o que que nos atrai em quem a gente gosta direito...
As vezes a gente acaba gostando de alguém que nunca nem imaginou gostar.. Alguém totalmente fora dos nossos padrões "ideais".
Sabe por quê?
Porque nenhum pôster substitui o cheiro do shampoo que quem a gente gosta usa, no cabelo dela.
No meio de um mundo tão gigante, existe algo em você, que só existe em você.
O jeito que sua boca mexe.
O jeito que você pisca.
O jeito que você mexe no cabelo.
Tudo isso é sua identidade.
Não só a sua simetria.
Não é só sua aparência.
A pessoa que gosta de você e quer você, entende que não vai, nunca mais na vida, encontrar você em outro lugar.
Ninguém no mundo tem o seu cheiro, ainda que use o mesmo perfume...
Porque ninguém no mundo tem sua pele.
Nem a sua cara quando acorda, nem a sua gargalhada, nem o seu jeito de falar e de ver a vida.
Ninguém faz carinho igual a você.
Você é o humor que você tem, você é o que você pensa, o que você cria, o que você produz...
Você é a velocidade do seu pensamento...
Você é a sua calma ou o seu ataque de nervos.
Você é o jeito que você lida com os seus problemas, o jeito que você olha, ri ou coça a cabeça.
Ninguém tem suas pintas nos lugares que você as tem.
Não precismos fazer esforço para prender ou ficar controlando o olhar de quem amamos...
Não é a beleza ou ausência dela, que sustentam um vínculo afetivo.
Isso é muito pouco.
Eu lembro de uma propaganda, não sei de que produto nem marca, que dizia:
"Amar é quando, entre a morenassa (aí aparecia uma garota linda e sexy) e a ruivinha (e uma ruivinha de cabelo preso, toda pacata e desengonçadinha)... Você prefere a ruivinha."
Se você não tentar competir com outra pessoa, você será especial.
Já nascemos especiais.
Já nascemos exclusivos.
Somos totalmente insubstituíveis.
Ninguém no mundo saberia ser você.
Nenhum conjunto de corpo-alma-espírito, substitui o seu.
E as pessoas são corpo-alma-espírito.
Não são corpo.
Não são fotos no perfil do Facebook.
A sua identidade é mais rara do que você possa pensar.
Somos um conjunto complexo, inexplicável e insubstituível de milhões de pequenos detalhes... E quem ama a gente, está completamente embaraçado dentro desse labirinto.
E gosta dele.
Prefere ele.

Lana N.

domingo, 2 de março de 2014

Prefiro um Zé


No fundo eu acho chato essa coisa de ter que "ser um cara sério pra casar".
Eu não me casaria com um cara sério.
Eu me casaria com um Zé.
Que me aparece numa manhã de domingo, desequilibrando em cima do meu tamanco, fazendo voz fina  e imitando o meu jeito de falar com os outros.
Um Zé feliz.
Bem humorado. 
Engraçado.
Satisfeito.
Um Zé simples.
Prático.
Sem treino.
Sem ensaio.
Que diz que tá com fome, e come.
Que quando tá com sono, dorme.
De boca aberta no meu sofá.
Sem medo de ficar feio pra ele ou de roncar alto.
Um Zé prático.
 Zé que não leva tudo tão a sério.
Mas que nem por isso, deixa de levar um monte de sérios valores consigo..
Que não tem paciência pra tentar ser outra pessoa...
Que, aliás, nunca tentaria ser outra pessoa, porque nem sabe como que faz isso. Zé que diverte-se mais do que analisa.
Zé que antes de perguntar o que é, já pôs na boca.
Um Zé que me respeite, mas não me respeite taaanto assim a ponto de nem me encostar...
Um Zé que não precise falar o “com todo o respeito..." antes de dizer "Você está linda”.
Um Zé mais abusado.
Um Zé meio cara de pau... Sem muita "sala".
Que não passe o dia inteiro sorrindo pra mim, parado, como quem tenta imitar o estereótipo do homem romântico de filme.
Esses homens românticos de filme que não param de sorrir me dão nos nervos.
 Ao invés disso, que Zé ria comigo!
Ou que ria de mim! Quando eu der com a cara na porta, ou com a cabeça na samambaia da varanda pela décima quarta vez.
Que Zé seja autêntico.
Que não fique preocupado com o corpo perfeito, e que nem se demore tanto ajeitando o cabelo.
Um Zé que não encana muito com suas imperfeições e
desproporcionalidades.
Um Zé que saiba abrir a tampa da geleia, mas que tenha algum ponto fraco que eu descubra...
pra eu poder chantageá-lo pra me devolver o controle remoto.
Um ponto fraco, como, por exemplo, medo de barata voadora.
Para que também corramos dela juntos, aos berros dentro de casa, num dia.
Porque são essas bizarrices que vamos contar para os nossos netos.
Um Zé espontâneo e livre.
E que me deixe ser espontânea e livre também!
Que não me mande rir baixo porque todo mundo tá olhando...
Nem fique me corrigindo o tempo todo, de tudo o que eu faço...
Que seja carinhoso... Mas não fique se esforçando o tempo todo para fazer as coisas  parecerem perfeitas e inesquecíveis.
A vida não é perfeita.
Formigas invadem o piquenique, arroz queima, um carro pode passar e jogar lama em cima da gente, seu sobrinho de seis anos pode vomitar no seu colo no dia que eu for conhecer a sua família...
Um Zé que saiba lidar com essas coisas sem neurose.
Que saiba improvisar.
Que aja com naturalidade.
Que me deixe a vontade, e se sinta a vontade comigo.
E que, quando discordarmos, ele não tente mudar de opinião só pra parecer com a minha.
Um Zé que não fique inseguro com o que eu possa estar pensando, quando eu estiver silenciosa, ou ocupada.
Que não tenha medo que eu termine tudo, quando eu me aborrecer com ele.
Que não aja o tempo todo como quem tem medo de me perder por causa dos seus defeitos.
Ou como quem quase vai embora sempre que se deparar com um meu.
Um Zé que não seja dramático.
Nem muito sentimental.
E que ame a Deus mais do que me ama. Para a saúde do nosso relacionamento.
Que brigue comigo quando eu estiver errada.
Que fale pra fora.
Que segure firme.
Que aperte a mão direito.
Que marque e cumpra.
Que prometa e faça.
Que seja maneiro com o garçom e com a mãe dele.
Que me ajude a subir.
Que me ajude a descer.
E que me jogue na piscina de vez em quando, só pra estragar meu cabelo.
Um Zé que suje suas havaianas brancas.
Não confio na capacidade de curtir a vida do cara que usa havaianas brancas impecavelmente limpas.
Um Zé que vira e mexe me aparece com dedão arrebentado, com topada.
Que seja básico.
Que não se importe com nomes, marcas, grifes, e status... 
Que não se importe em ser chique ou andar com gente chique.
Que não ligue pra isso.
Que deixe sua sobrinha de cinco anos passar sombra azul e batom rosa nele.
Que não seja fresco com comida.
Nem mimado.
Que trabalhe, e tenha problemas pra resolver.
Que fique brabo.
Que se irrite.
Que diga não.
Que saiba pedir perdão.
Que ocupe-se com outras coisas, de outros lugares durante o dia... Pra que no final do dia a gente esteja morrendo de saudade um do outro, e com coisas novas para se contar.
Que não me cobre atenção o tempo todo, nem fique emburrado quando eu não puder responder mensagem na hora.
Que seja animado para, por exemplo, trocar de roupa às duas da manhã de uma quarta feira, e me levar pra praia mais distante da cidade vizinha.
Ou não.
Para desanimarmos de uma festa chata qualquer, e comermos brigadeiro vendo desenho no sofá da sala.
Ou Polishop.
Um Zé que durma vendo leilão de jóias e canal de boi.
Um Zé que ainda que esqueça e a toalha em cima da cama, a tampa do vaso levantada, a chave, e que sempre me traga o absorvente errado quando for na farmácia pra mim...  Nunca se esquece que meu pastel preferido é de palmito.
Eu, prefiro um Zé.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Xadrez

Havia ali, um apelo escondido.
Um "à pele" enrustido, de peles devidamente afastadas.
O "não-me-toque" era tão recíproco quanto o "toque-me-por-favor".
E então, esbarravam-se, forjadamente.
Separavam-se, forçadamente.
Desculpavam-se, derretidamente discretamente.
O fato é que queriam mesmo o abraço, nos tropeços que se davam.
Um abraço, ao menos.
Apenas um ou dois, dos muitos que esperavam.
Mas...
Não se sabiam.
Se podiam-se.
Nem pediam-se.
Desconfiavam-se, apenas.
E então, pra não quebrar o gelo/o medo/a cara, despediam-se, novamente.
Querendo muito ficar.
Querendo-se muito ali.
Iam-se eles.
Quase intactos.
Como odiavam estar.

Lana N.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Será que vai chover?




Ambos com aquela mesma sensação estranha...
Não sei.
Uma sensação desconfiada de "eu acho que vou te amar um dia...".
Sabe?
Uma sensação de familiaridade que ainda não existe, mas é como se fosse existir a qualquer momento...
Enquanto isso, conversam formalmente no elevador sobre...
Sobre o...
A...
A previsão do tempo.
Isso.
Tensos.
Nervosos e contidos.
Fingindo estarem relaxados, como já haviam ensaiado no espelho antes.
Falsamente concentrados nos andares que passam e nos assuntos banais que estão falando, quando o que mais importa ali é no mínimo a voz um do outro.
Não supondo que é recíproco, ele com medo do "não", nem ousa.
E ela, achando que é coisa da sua cabeça, volta pra casa mais uma vez com um "sim" entalado na garganta.
Sem saberem que têm um futuro em comum, dentro de tudo o que ainda vão se falar mas não falam...
Porém igualmente desconfiados de que Deus tem alguma coisa a ver com esses encontros bobos, que os desconcertam tanto.

Lana N.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Dente da frente



Não deixe que dias ruins façam você pensar que toda a sua vida é ruim...
Não deixe que fotos ruins façam você pensar que você é feio.
Não pare para enlouquecer a cada fracasso.
Não se desespere em cada fiasco.
Não dá tempo convocar o mundo para uma DR a cada bobagem que te escapar pela boca, ou que entrar pelos seus ouvidos.
Não dá para dar conta de tudo, nem contabilizar todos defeitos, nem apagar todas as fotos.
Não dá pra imobilizar a franja.
Nem pra dar pause no vento.
Você não terá esse poder.
Nem terá a senha.
Não vai dar para editar.
Não dá pra invadir o álbum dos outros.
A memória dos outros também não dá.
Você nunca vai conseguir se esconder, deletar ou se esquivar de todos os seus momentos de imperfeição.
Você não vai sair ileso da roda das gafes... Sua vez vai chegar!
E tudo bem!
Você continuará numa boa!
=)
Os dias maus virão, e você precisa lidar bem com eles.
Assim segue a vida, fugindo do nosso controle.
Não fazendo sempre a nossa vontade e ainda assim, sendo mais legal do que chata.
Assim seguimos nós, escapulindo do nosso photoshop.
Não saindo sempre bem nas fotos e ainda assim, sendo mais bonitos do que feios.
Enquanto respirarmos, a nossa condição humana nos leva a ser constantemente ridículos.
Sempre teremos motivos para rir, um da cara do outro.
Um de cada vez, e todos.
Sem exceção.